
Desde que o mundo é mundo, havia sempre alguém contando uma história diferente, escrevendo essa mesma história de outra forma e, a partir daí, espalhando notícia falsa. Os estudiosos no assunto afirmam que fake news sempre existiram, não com esse nome sofisticado e de maneira tão rebuscada a ponto de passar despercebida até pelos mais espertos.
O uso das tecnologias teria potencializado esse comportamento ético das pessoas, ainda mais agora com a Inteligência Artificial – IA. E, nos dias de hoje, é difícil alguém que nunca tenha caído em alguma “cilada da internet”, seja uma dieta milagrosa, uma “receitinha” pra fazer os cabelos crescerem mais rápido ou um bom motivo para não tomar determinada vacina, alegando efeitos colaterais.
Há pouco tempo um novo golpe circulava nas redes sociais, enganando milhares de usuários com a promessa de produtos gratuitos. A publicação fraudulenta se passava pela grife de roupas Farm Rio e oferecia uma mala grátis para quem respondesse uma avaliação e pagasse uma taxa. O golpe de mestre: a fraude fazia uso da voz da apresentadora Angélica, como parte da estratégia de convencimento, o que era totalmente falso: a voz teria sido manipulada com IA. Após o pagamento da taxa, os usuários eram confrontados com uma mensagem de erro e não recebiam mais informações. Bingo!
Dentro do mundo das fake news, como forma de burlar a informação verídica, surge a mal falada deep fake, técnica de Inteligência Artificial que foi apropriada para produzir desinformação, fundindo, combinando, substituindo ou sobrepondo áudios e imagens para criar arquivos falsos, difícil de diferenciar de alguma coisa real. Esse é um exemplo de fake news, assim como phishing, a prática de “pescar” informações e dados secretos dos usuários através de informações falsas ou dados não reais, porém atrativos, entre tantos outros.
Mas vamos ao que não é fake news: Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem, é crime. Segundo Artigo 307 do Código Penal, sujeito a pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. As tipificações variam entre crimes contra a honra, difamação, calúnia e outros delitos, dependendo do contexto da desinformação disseminada. Especialistas alertam que todo cuidado é pouco, especialmente usuários de internet, que compartilham mensagens sem a certeza de que são verdadeiras.
“LUCRO” SOB A VIDA
POR DR. CHARBELL KURY, MÉDICO INFECTOLOGISTA PEDIATRA
Tudo tem consequências e com as fake news não é diferente. Durante o período da pandemia da Covid-19, quando notícias falsas foram compartilhadas, diversas mortes teriam ocorrido pela crença em tratamentos ineficazes e negação da vacina.
O médico infectologista pediatra, mestre e doutor em Microbiologia, Charbell Kury, explica que a indústria das fake news lucra cerca de 1 bilhão de dólares ao ano, “arregimentando médicos conspiracionistas para falarem teorias falsas de vacinas que geram engajamento na rede social e monetização”.
Especialista no assunto, Dr. Charbell comenta que todo esse prejuízo tem consequência final mais grave, as mortes de crianças e adultos por doenças imunopreveníveis, quais sejam, as prevenidas por vacinas.
“Entre elas temos observado surtos de sarampo, coqueluche, influenza e meningite, devido à baixa procura pelas vacinas. Graças às campanhas de conscientização do Ministério da Saúde e das sociedades médicas, temos conseguido vencer parcialmente a guerra com aumento significativo das coberturas vacinais em valores pré pandêmicos. E mais ainda, conseguimos recuperar o selo de erradicação do sarampo, agora em novembro de 2024, que havíamos perdido em 2018.”
Dr. Charbell acrescenta que as fake news são as principais causadoras do que se classifica como “hesitação vacinal”. O termo publicado em 2015 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) define como os determinantes de aceitar, atrasar ou rejeitar algumas ou todas as vacinas. Tais determinantes seriam divididos em 3 “C”: Complacência, Conveniência e Confiança.
E finaliza com um alerta: “As crianças que não se vacinam se tornam susceptíveis. Isso acarreta doenças graves e mortes, como meningite, coqueluche, sarampo, influenza e outras”.
ESTUDO E TESE
POR CARLOS MEDEIROS DE SOUZA, PROF. E DR. EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
Estudiosos de todo mundo estão cada vez mais se aprofundando no tema fake news, não só pelos estragos sociais, econômicos e políticos, mas também pelo fato de manipular a opinião pública e desprestigiar as instituições. Em Campos, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) é uma das que levanta a bandeira contra a desinformação e as crenças que estão se sobrepondo aos fatos verídicos.
Sobre as fake news e as ciladas da internet, surgiram agora o “golpe do amor”, “golpe do pix”, entre outros, explica o professor no curso de Mestrado e Doutorado da Uenf, Carlos Medeiros de Souza, também doutor em Comunicação e Cultura, e mestre em Educação.
“Temos pesquisado a questão do golpe do amor e o prejuízo patrimonial – o que a pessoa tem que pagar por determinada coisa e não receber. Antes da tecnologia, as pessoas se encontravam nas festas, nas ruas e tinham condutas que também não seriam adequadas, como se aproximar de outras e se relacionar para obter confiança, benefício ou vantagem. Com a internet, uso das tecnologias e mediação, tudo ficou mais evidente, potencializado. A gente pesquisa sobre a questão, analisando a inexperiência de pessoas, principalmente idosos, que confiam muito no que leem e acabam se envolvendo em tramas prejudiciais. Pesquisas trabalham dentro das novas possibilidades de exposição que cerca o indivíduo, a partir dos avanços da inteligência artificial e mediações tecnológicas.”
MENTIRA OU VERDADE?
POR LILIANE BARRETO, JORNALISTA E ESPECIALISTA EM COGNIÇÃO E LINGUAGEM
A jornalista Liliane Barreto observou ao longo de sua trajetória que havia um movimento de desinformação ganhando força em vários países e, em determinado momento que, aqui em Campos, algumas informações estavam sendo divulgadas sem o devido cuidado com a apuração, por isso, as fake news acabavam se espalhando facilmente.
Foi aí que resolveu estudar o assunto e no término da sua pós-graduação em Cognição e Linguagem, o tema da dissertação foi “Fake news, Bolhas Ideológicas e Pós-Verdade: Análise Discursiva da Desinformação no Contexto da Covid-19 no Brasil”.
“A expressão pós-verdade é um neologismo que significa que as crenças estão se sobrepondo aos fatos verídicos, ou seja, o que eu acredito tem mais força do que fatos concretos. As minhas crenças fazem com que algumas fake news durem por muito tempo ou fiquem para sempre no imaginário de quem acredita, ou seja, em tempos de pós-verdade, crenças e emoções têm mais influência do que os fatos comprovados.”
Ela conta que um caso de fake news que muito lhe abalou foi o de Fabiane Maria de Jesus, morta a pauladas em 2014, em São Paulo, por pessoas que acreditaram que ela seria uma sequestradora, a partir de um retrato falado que foi divulgado na época.
– As pessoas se convenceram de que ela era a sequestradora e resolveram que deveriam matá-la. Foi um caso terrível, que teve a pior das consequências – lembra a jornalista.