Conectados com a história e a cultura de São João da Barra, e dotados de talento para os trabalhos manuais, artesãos locais têm explorado matérias-primas da cidade praiana para fazer arte! O trabalho artesanal é feito em pequena escala e há um cuidado com todos os detalhes, na maioria dos casos, cada peça é única, é particular.
O que torna esse artesanato ainda mais especial é que, além da matéria-prima ser local, os artesãos se preocupam com a sustentabilidade, dão a esses materiais, que seriam descartados, um novo sentido, uma nova cor, uma nova forma, além de fomentar a economia da região. “Nossa matéria-prima vem do mar, do brejo, das ruas. O que provavelmente seria descartado, aqui ganha uma ‘nova vida’. É uma verdadeira transformação”, destaca o artesão Elizeu Caterinque.
A Fever foi à São João da Barra conhecer de perto cada detalhe da história desses artesãos e foi recebida por eles na Casa do Artesão de São João da Barra, em Atafona, onde eles expõem suas peças.
UMA BELEZA NATURAL: COLARES E BRINCOS FEITOS DE ESCAMA DE PEIXE

A artesã Rita de Cássia Mendes Ladeira, 64 anos, é natural de Minas Gerais, mas vive em São João da Barra há 22 anos. Desde 2009, Rita faz flores com a escama do peixe, que depois são transformadas em colares, brincos e enfeites de mesa. “Os colares com flores feitas de escama de peixe levam o fio feito de crochê, uma técnica chamada ‘fio de ouro’.
Eu já fazia colares em crochê, quando fui a uma viagem ao Rio e uma colega me apresentou as flores de escama de peixe, eu logo amei a ideia e, retornando para cá, enxerguei aqui um enorme potencial, principalmente por ser uma região de pesca, e que matéria-prima não faltaria”, conta Rita.
Ela nos explica que a escama do peixe é de fornecedor local, que ela recebe ainda no couro, e faz manualmente toda a limpeza e extração da parte que precisa. “Eu higienizo toda essa parte, retiro a escama, e submeto o material a um processo de hidratação para ter uma boa qualidade, que leva de 15 a 20 dias. Para peças mais peroladas, o cloro é utilizado nesse processo. Se eu busco peças mais esbranquiçadas, a água sanitária e o removedor de manchas são os escolhidos para essa etapa. Depois da secagem, eu as recorto, peça por peça, e aí passo para a fase do tingimento”, detalha.
Adepta ao natural, Rita é quem produz os próprios corantes que irão pigmentar as escamas de peixe. Segundo ela, a cor vermelha é feita com o urucum, a verde com erva cidreira, a roxa a partir da casca da cebola roxa, a cor laranja feita com a casca da cenoura, o amarelo vem do açafrão da terra e a cor rosa da casca da pitaya.
Autodidata, Rita resolveu aprender a técnica da escama de peixe sozinha e começou a produzir suas peças, aperfeiçoando a cada trabalho realizado. Ela conta que não queria usar cola quente no processo de colagem e então adaptou para a massa de biscuit. “Eu substituí a cola quente por biscuit, assim a peça tem uma colagem permanente. A técnica do fio de ouro é antiga, lá da década de 70, eu a revisitei para entregar um colar totalmente artesanal”, conta Rita.
MADEIRAS DO ESTALEIRO VIRAM PEÇAS DE DECORAÇÃO

É com as madeiras que precisam ser substituídas nos barcos que param no estaleiro de Atafona que o artesão Elizeu Caterinque, 60 anos, faz a sua arte. Peças que, segundo ele, provavelmente seriam queimadas por não terem mais utilidade na área da pesca, ganham uma nova forma. “Hoje é difícil comprar madeira, há uma dispensação muito grande de madeira aqui no estaleiro, dos barcos que passam por reformas, eu as reaproveito. Uma madeira que já vagou muito pelo mar aí, passa a ter uma nova história através das minhas mãos. São feitos peixes de madeira, cavalo-marinho, luminárias, entre outras de decoração”, destaca Elizeu.
O artesão conta que trabalha com artesanato em madeira há 20 anos, e que 90% das madeiras utilizadas no seu artesanato são reaproveitadas. “Pouca coisa preciso comprar, a maioria das madeiras eu reciclo. O preparo dessa madeira do estaleiro, na maioria das vezes, passa por lixamento, um recorte e pintura, requer uma atenção por ter passado muito tempo na água do mar, que é salgada. Às vezes consigo contar para o cliente a história daquela madeira naquela peça que ele tá levando, a pessoa nem imagina que aquele pedaço fez parte de uma traineira que estava no mar por 15 anos. O cliente leva muito mais do que um artesanato, leva uma peça com uma história”, destaca.
DO BREJO SAEM LINDAS BOLSAS

É do brejo que dona Regina Maria Soares de Oliveira, 65 anos, retira a sua matéria-prima para fazer o seu trabalho. Através da técnica do trançado, a artesã Regina produz bolsa, descanso de panela, tapete, chinelo, bolsa de praia, enfeites, sousplat, todos com a folha da taboa, que, após todo o processo, se tornam uma espécie de “palha”. A taboa, que fica no brejo, valões e áreas de restinga, é uma planta aquática que pode atingir cerca de 2,5 metros de altura e é retirada da região de São da Barra para que a artesão consiga trabalhar.
Sobre o processo de tratamento da taboa, para que ela passe de uma folha verde para uma palha de qualidade, com resistência, Regina explica que ela deve ser cortada próxima a sua raiz, respeitando um palmo do chão, e que é necessário todo um cuidado para que a folha não se quebre nesse processo. “Nessa etapa de extração da taboa, além da distância do corte para o solo, é importante que ela seja feita em uma lua minguante, que vai garantir que não dê bicho na folha,pois a broca estraga a planta. Depois da extração, as folhas são lavadas e posteriormente podem pegar cinco dias de sol e chuva à vontade. Após esse período, ficam secando somente de dia, no máximo até as 16h, e então precisam ser recolhidas para um lugar fechado. Ela vai começar a secar e ficar amelinha. Aí estará pronta para trançar”, explica a artesã.
Dona Regina conta que aprendeu a técnica de trançar com a folha da taboa em 1979, e destaca que foi através do artesanato que ela pode deixar de trabalhar em casa de família para então tocar o seu negócio. “Das minhas quatro filhas, três delas também trabalham com essa técnica, eu tive o prazer de ensiná-las, pois foi desse artesanato que eu as criei e pude ter a minha casa própria. Modéstia à parte, o trabalho fica lindo e é muito rentável, pois as pessoas gostam de viver essa experiência de ter no dia a dia as coisas naturais e feitas de forma artesanal. Além disso, o cliente vai estar levando algo daqui e feito aqui em São João da Barra”, comenta Regina.